Ao prever sanções financeiras pesadas a pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção, o projeto de lei assinado há dias pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva procura atingir a parte mais sensível das empresas corruptas: seu faturamento. O projeto - que prevê até a extinção, pela Justiça, de empresas que pratiquem certos atos contra a administração pública - representa um avanço em relação à legislação em vigor, que prevê punição rigorosa de pessoas físicas envolvidas em corrupção, mas estabelece sanções bem mais brandas para as empresas, que não são impedidas de continuar praticando os atos ilegais.
Seria bom para o País se o governo estivesse interessado em aprovar o projeto com presteza, a fim de reduzir, já neste ano, o espaço para práticas de corrupção, como financiamentos ilegais de campanhas e pagamento de propinas a servidores, entre outros. Infelizmente, porém, o projeto não faz parte das prioridades do Palácio do Planalto. Somada à reduzida disposição dos congressistas de tratar de temas um pouco mais complexos em ano de eleição, a falta de empenho do governo deve empurrar a discussão do assunto para o futuro.
Mas, como argumentou o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, o projeto "é do interesse de todos os segmentos que querem um país cuja administração pública, em suas relações com o setor privado, obedeça a critérios claros, com regras capazes de garantir o "jogo limpo", necessário à livre concorrência, à sadia competição, que está no cerne do sistema capitalista em que vivemos".
Fruto de trabalho conjunto da CGU com o Ministério da Justiça e a Casa Civil, o projeto, com 25 artigos, procura corrigir falhas e lacunas da legislação atual no que se refere à punição de empresas envolvidas em corrupção. As punições previstas na Lei de Licitações restringem-se a atos ilegais praticados durante uma concorrência ou na execução dos contratos, e são brandas. A pena mais pesada é a declaração de inidoneidade da empresa e a aplicação de multas de baixo valor.
Também é possível punir empresas com base na lei de improbidade administrativa, mas, para se chegar a isso, é necessário identificar o agente público envolvido na fraude e, então, processar a empresa que tenha se beneficiado do crime.
O projeto amplia a lista de atos ilegais passíveis de punição. Entre eles estão o pagamento de propinas, a fraude na licitação pública, a elevação arbitrária de preços, a utilização de "laranjas" para ocultar a identidade dos beneficiários dos atos ilegais e a manipulação dos contratos.
As sanções serão rigorosas. Entre as penas previstas na esfera administrativa estão multas, que variarão de 1% a 30% do faturamento bruto (ou de R$ 6 mil a R$ 6 milhões, quando não for possível aferir o faturamento); declaração de inidoneidade, que impedirá a empresa punida de celebrar contratos com o governo, receber subsídios públicos ou obter financiamentos de instituições financeiras públicas; e a reparação integral do dano causado ao erário.
O Ministério Público poderá mover ação contra as empresas que praticarem os atos ilegais e as denunciadas estarão sujeitas a sanções como perda de bens, direitos ou valores obtidos por meio de corrupção, suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até sua dissolução. A extinção da empresa será determinada quando ficar comprovado que ela foi constituída deliberadamente para facilitar ou promover a prática de atos ilegais.
O projeto atende a compromissos assumidos pelo Brasil, que é signatário de três convenções internacionais contra a corrupção, da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Estados Unidos, Itália, Grécia e Chile são países que já contam com legislação que responsabiliza empresas em casos de corrupção, com punições semelhantes às que estão no projeto.
Para Hage, não deve haver resistência do empresariado à proposta. "O projeto visa a reduzir o custo que a corrupção gera para as empresas. A boa empresa vai entender que esse projeto quer nivelar a livre concorrência", disse.
Eis aí mais uma razão para o governo se empenhar em sua rápida aprovação.