Período: Novembro/2024 | ||||||
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Nos últimos anos, viu-se, no âmbito empresarial nacional, uma expansão dos programas de compliance, ou seja, controles corporativos internos criados a fim de garantir o cumprimento de exigências legais e regulamentares relacionadas às atividades empresariais, bem como evitar, detectar e tratar quaisquer desvios ou inconformidades que possam ocorrer.
Apesar de os programas de compliance agregarem valor para a empresa, proporcionando maior segurança a seus investidores e evitando risco à imagem, entre outros benefícios, no Brasil, entretanto, na maioria das vezes, tais programas são implementados basicamente por subsidiárias brasileiras de empresas sujeitas à legislação americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de 1977.
Em síntese, o FCPA tem o objetivo de coibir a prática de corrupção de agentes públicos e seu descumprimento pode acarretar medidas civis pela Securities & Exchange Commission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) americana, e medidas criminais perante o Department of Justice (DOJ), o Departamento de Justiça americano, para a empresa e seus empregados. O FCPA aplica-se aos atos ilícitos praticados nos EUA e no estrangeiro, relativamente aos negócios de capital aberto com obrigatoriedade de reportar à SEC, bem como às empresas em que o principal local de negócio seja os EUA, ou ainda aquelas que sejam organizadas de acordo com as leis dos EUA. Vale ressaltar que muitas empresas brasileiras estão sujeitas ao FCPA, entretanto, não sabem que a legislação se aplica a elas ou não dão a devida atenção ao assunto.
Há anos, o DOJ e a SEC têm sido bastante ativos em relação ao FCPA. O número de sanções aplicadas cresceu exponencialmente. No mesmo sentido caminhou a severidade das multas impostas. Tomando-se como base a média das multas impostas somente pelo DOJ, o valor saltou de cerca de US$ 8 milhões em 2007, para US$ 55 milhões em 2008, e US$ 86 milhões em 2009. Vale lembrar que, no final de 2008, uma única multa aplicada por violação ao FCPA alcançou montante superior a US$ 800 milhões.
Em 2010, tanto o DOJ quanto a SEC indicaram ser o FCPA uma prioridade, tendo a SEC, no início do ano, criado um departamento específico para cuidar de assuntos relacionados à legislação. Especificamente em relação ao Brasil, em novembro de 2009, Mark Mendelsohn, então funcionário do alto escalão do DOJ, deu um recado às empresas sujeitas ao FCPA que atuam no Brasil ao afirmar: "Nós lemos os jornais brasileiros". Vale lembrar que, em diversos casos, autoridades brasileiras já forneceram às autoridades americanas informações sobre situações que podem ensejar aplicação da legislação FCPA, não obstante a existência de possível responsabilidade também perante a legislação brasileira. Neste contexto, empresas sujeitas ao FCPA que atuam no Brasil têm criado programas de compliance a fim de evitar fraudes, pois tais programas, se eficazes e anteriores à fraude, podem mitigar as sanções impostas às suas matrizes.
Em fevereiro de 2010, o Poder Executivo, a fim de atender os compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil, protocolou o Projeto de Lei 6.826/2010. O projeto dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, em especial, sobre atos de corrupção relacionados à administração pública nacional ou estrangeira.
Inspirado no modelo norte-americano, o texto do projeto dispõe que as empresas serão responsabilizadas pelos atos praticados por qualquer agente ou órgão que as represente. A pessoa jurídica responderá objetivamente. Ou seja, basta existir a comprovação de o fato ilícito ter ocorrido e ele ter sido causado pelo agente que representa a empresa para esta ser responsabilizada, sendo desnecessário comprovar a vontade do agente de causar o dano. O projeto de lei vai além: determina que a empresa será responsabilizada mesmo que o ato praticado não proporcione a ela vantagem efetiva ou que eventual vantagem não a beneficie direta ou exclusivamente.
As sanções previstas pelo projeto de lei para as pessoas infratoras são pesadas: multa de 1% a 30% do faturamento bruto da empresa; publicação extraordinária da decisão condenatória, o que pode causar sérios danos à imagem da empresa; proibição de participar de licitação e contratar com o poder público; dentre outras. Muitas das situações e sanções previstas no projeto de lei já estão presentes em outras leis atualmente em vigor como a Lei de Improbidade (8.429/92), a Lei de Licitações (8.666/93) e a Lei de Defesa da Concorrência (8.884/94). O projeto de lei, entretanto, preenche algumas lacunas presentes nas referidas leis, além de contemplar as condutas praticadas contra a administração pública estrangeira. Sua aplicabilidade, em tese, será mais fácil, pois a legislação atualmente existente, via de regra, é de responsabilidade subjetiva, ou seja, deve ser comprovada a culpa dos envolvidos.
A norma proposta, ao tratar da aplicação das sanções, traz dispositivo que pode impulsionar o crescimento do compliance no Brasil para além das empresas sujeitas ao FCPA. O texto do projeto de lei dispõe que “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, entre outros fatores, será levado em consideração na aplicação das sanções previstas na lei. Tal dispositivo permite a diminuição da pena se ficar demonstrado que a empresa tinha procedimentos internos de compliance e que tais procedimentos eram, de fato, colocados em prática.
O projeto de lei não dispõe sobre quais mecanismos e procedimentos devem existir para que o benefício de diminuição da pena seja concedido. Fato é que não existe fórmula única. Os programas de compliance devem ser criados e revistos regularmente, de forma a variar de acordo com o tamanho da empresa, valor e natureza das operações comerciais, localização das atividades e negócios realizados (inclusive no exterior) e percepção de risco. Entretanto, a mera criação e a revisão não bastam. É preciso difundir e aplicar tais programas dentro da empresa.
Outro importante dispositivo da norma proposta estabelece que “a cooperação na apuração das infrações, por meio de práticas como a comunicação do ato ilegal às autoridades públicas competentes antes de instauração do processo e a celeridade na prestação de informações no curso das investigações”, também será levada em consideração para aplicação da pena. Desta forma, os programas de compliance podem ajudar a empresa a detectar e tratar, em tempo hábil, quaisquer desvios que possam ocorrer. Com tais informações a empresa poderá, se for o caso, reportar o ato ilegal às autoridades públicas.
A cooperação na apuração das infrações e a comunicação de atos ilegais às autoridades são muito comuns nos EUA. No Brasil, desde 2000, existe um programa de leniência, que dá imunidade administrativa e criminal ou redução das penalidades aplicáveis para pessoas físicas e jurídicas. Entretanto, tal programa é aplicável somente aos casos de participante de cartel ou de outra prática anticoncorrencial e pouco mais de algumas dezenas deles foram assinados. Ainda que o projeto de lei seja aprovado, apesar de aparentemente atrativo para a empresa, diversos fatores devem ser analisados antes de esta comunicar um ato ilegal às autoridades. Entre eles, pode-se citar a probabilidade de o ato ser descoberto pelas autoridades, a gravidade do ato e a existência de procedimentos adequados de combate à corrupção quando do acontecimento de eventual problema.
Não se sabe se a existência de mecanismos de compliance, o reporte, a comunicação e a cooperação com as autoridades servirão para diminuir eventual sanção imposta à empresa ou se afastarão a responsabilidade, tal como ocorre em algumas situações do programa de leniência nos casos antitruste.
Na verdade, o que se observa é que o Brasil está fechando o cerco à corrupção e à fraude. O Projeto de Lei 6.826/10 é um dos cerca de 80 projetos atualmente em trâmite que tratam da prevenção e combate à corrupção. Três importantes compromissos internacionais de combate à corrupção foram assumidos pelo Brasil. Ações das polícias federal e estaduais têm conduzido diversas investigações relacionadas à corrupção e a outros crimes relacionados. Somente em 2009, a Polícia Federal realizou 281 operações, a maioria relacionada à corrupção. Tudo isso revela a importância do combate à corrupção no contexto atual.
O tema compliance também tem sido de grande destaque internacionalmente. Além dos EUA, em que o tema é relevante e corriqueiro há anos, alguns países recentemente aprovaram leis que demonstram ainda mais a importância do compliance. Em abril de 2010, a Inglaterra aprovou o The Bribery Act, a lei de combate à corrupção inglesa. Referida lei vai além da legislação FPCA americana e criminaliza a falha na prevenção de corrupção, sendo aplicável tanto para atos de corrupção no setor público como no setor privado. Assim como o FCPA, a lei inglesa também tem aplicabilidade fora do território inglês. Ela também determina que a existência de programa de compliance adequado e efetivo pode ser utilizada para mitigar a responsabilidade da empresa.
A Espanha, por sua vez, em junho de 2010, aprovou lei que alterou o código penal do país, criando a responsabilidade penal da pessoa jurídica (conceito atualmente comum em diversos países). A lei espanhola dispõe que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas pelos atos praticados por seus empregados que estiverem relacionados à falha da empresa em exercer certo dever de controle. A lei espanhola também traz dispositivo determinando que a existência de programas de compliance efetivos reduzirá ou excluirá a responsabilidade penal da empresa.
Empresas brasileiras agregam valor ao criarem programas de compliance. Além de poderem evitar perdas financeiras e dano à imagem, entre outros, no cenário comercial altamente globalizado, a existência de programas de compliance pode, por exemplo, ser o diferencial para a empresa ser escolhida para realizar determinada operação. Ademais, pode representar uma defesa para a pessoa jurídica em diversos ordenamentos jurídicos do mundo. A empresa e seus empregados, entretanto, devem observar as peculiaridades da legislação local vigente, não podendo cruzar limites éticos e legais.
A expectativa é que, se aprovado, o Projeto de Lei 6.826/10 impulsione a criação de programas de compliance, principalmente por empresas brasileiras que não estão sujeitas à legislação estrangeira de combate à fraude e à corrupção.
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