Período: Novembro/2024 | ||||||
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Resumo:
Apresentamos uma breve análise sobre o risco que um perito assume ao solicitar, arbitrariamente, documentos durante o procedimento de perícia, verificação ou testabilidade das provas produzidas nos autos do processo, no anseio de demonstrar ao Juiz, serviços, diante da sua responsabilidade objetiva.
A questão central é: se o perito judicial socorre um dos litigantes, que não produziu provas no momento oportuno, estará assumindo as consequências e riscos do seu ato, de parcialidade, pela via da responsabilidade objetiva.
Pretendemos com este breve ato interpretativo do CPC/2015, promover um repensar sobre a falácia de que o perito deve ou pode solicitar e juntar aos autos documentos probantes, sem que isto esteja designado na sua função, cujo resultado, seja em favor ou em desfavor de um dos litigantes.
A abordagem do tema se justifica em função de um possível conflito, pela falta de harmonia, entre aquilo que faz parte da designação do perito, §2º do art. 473 do CPC/2015, determinada pelo Juiz, com o §3º do mesmo artigo.
A pesquisa está lastreada em um raciocínio lógico, vinculado à utilização da verdade formal contida em um processo civil, que é diferente da verdade real dos processos vinculados à área penal.
É deveras importante a distinção entre verdade real e verdade formal, que se busca, entre um processo penal e um processo civil. Pois, no processo civil os interesses são patrimoniais e, supostamente, menos impactante, do que os interesses contidos em um processo penal, onde os interesses tutelados, estão vinculados à vida, à liberdade e ao jus puniendi do Estado. Assim, por dogma ou paradigma, na esfera penal se busca a verdade real que está ligada a um direito indisponível, portanto, vital nas ações em que envolvem crimes, e no civil, a verdade formal, pois se admite, a verdade aparente, ou seja, apenas a verdade formal contida nos documentos que instruíram a demanda.
Palavras-chave: Solicitação de documentos e informações probantes. Perito judicial, §2º e §3º do art. do 473 do CPC/2015. Verdade real. Verdade formal.
Este material não é um ensaio acadêmico, trata-se de uma interpretação do CPC/2015, considerando para tal o método de interpretação literal/semântica, com apoio na hermenêutica. Desta forma, ao se distanciar de um artigo acadêmico, se aproxima de uma nota técnica interpretativa de clarificação contábil-jurídica.
É fato que muitas são as ocorrências da obtenção de provas pela via de um termo de diligência emitido por um perito do Juiz, que ao fazer tal pedido, diretamente a parte, poderá ser interpretado como ato de parcialidade que pode desequilibrar a situação concreta de um processo, com a produção de provas, que são juntadas pelo perito aos autos, portanto, o perito baseia suas respostas, com elementos que não estavam compondo a fase de instrução probante dos autos.
A ideia dominante de prova, é a que está será utilizada para comprovação da verdade em uma demanda, já que, somente se fala de prova quando existe um propósito, a verdade, que se pretende comprovar. Sem perder de vista que a verdade é relativa, e no âmbito da ciência, não existe uma verdade absoluta. A prova tem a finalidade de convencer o Juiz da existência de um fato perturbador e destrutivo de um direito ou de uma obrigação.
O CPC/2015, assim como, toda a legislação, para se evitar falácias, deve ser interpretada no seu conjunto e, não apenas em um único parágrafo. A ordem natural das coisas e atos processuais vinculadas à produção de provas são:
Os litigantes devem propiciar ao Juiz, um completo conhecimento do processo, instruindo-o com os elementos probantes necessários à sustentação de suas pretensões, pois, se não o fizerem, suportarão as restrições da falta de prova. Daí a importância do perito, não ser parcial, providenciando as provas, já que a sua função, como auxiliar do Juiz, é a de analisar, pelo viés técnico-científico, as provas, esclarecendo dúvidas, pelas respostas aos quesitos.
A função do perito, como auxiliar do Juiz é “precisa” e deve ser exercida de forma isenta, para se evitar dupla interpretação ou ambiguidade. Logo, também não deve o perito, orientar os litigantes quanto à juntada de novos documentos e/ou elaboração de quesitos suplementares, ou sugerir uma determinada estratégia, para não comprometer a sua imparcialidade. Já a função do perito assistente indicado, é a de assessorar o seu cliente, realizar a formulação de quesitos, e também orientar sobre a juntada de documentos que são necessários ao exame pericial. Assim sendo, cada perito, o indicado pelo Juiz e o indicado por cada litigante tem suas funções bem delineadas.
O perito deve sempre atuar de forma imparcial com liberdade de juízo científico, para isso, deve ater-se à verdade formal documental, constantes dos autos, sem inovar ao responder aos quesitos, ou seja, considerar, somente o que está nos autos, exclusivamente aquilo que está nos autos do processo. Não existindo nos autos do processo, não existe o ato ou fato, como elemento de apreciação do perito e nem do Juiz. Portanto, a busca de subsídios em elementos probantes existentes fora dos autos, implica ou caracteriza que o perito extrapolou a sua competência. Sempre é bom lembrar que por força do § 2º do art. 473 do CPC/2015: “É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação”, portanto, se o Juiz não determinar uma busca de documentos extra autos, por parte do perito, isto lhe é vedado, se o fizer, está ultrapassando os limites de sua designação, e está assumindo o risco do efeito que seu ato causou, ou seja, trata-se de uma responsabilidade objetiva. Naturalmente, essa regra vale para as perícias no âmbito civil, onde se busca a verdade formal, já no âmbito da perícia criminal, prevalece a busca da verdade real, portanto, além e adiante do que consta nos autos.
Não existe sombra de dúvida de que, interpretar o § 3º do art. 473 do CPC/2015, de forma isolada, sem considerar o todo do CPC/2015, é um ato falacioso, por partir de uma premissa interpretativa equivocada.
O MOMENTO DA INSTRUÇÃO PROBANTE
Quem faz prova nos autos, são os litigantes, e o momento adequado da apresentação dos documentos probantes, é quando da inicial ou da contestação, nos termos do art. 434 do CPC/2015. E também na mesma oportunidade, é o momento adequado de se requerer a exibição de documentos que esteja em poder de terceiros ou da parte adversária.
O perito somente examina as provas produzidas pelos litigantes. E não faz prova a favor ou contra os litigantes.
Para o requerente, a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato ameaçador, perturbador ou destrutivo do seu direito.
Para o requerido, a prova tem a finalidade de convencer o Juiz, da existência de um fato impeditivo, notificativo ou restritivo do direito pleiteado pelo requerente.
Os litigantes devem apresentar os elementos que indiquem a veracidade dos atos e fatos alegados, assim como, do direito alegado. Esta obrigação de dizer a verdade, é um dos deveres dos litigantes e de seus procuradores, nos termos do inciso I, do art. 77 do CPC/2015; quem deve primeiramente fazer a verificação da veracidade dos atos e fatos narrados são os advogados das partes. E em segunda etapa, o Juiz, por força do início do art. 139 do CPC/2015. E em terceira etapa, o perito pelos exames realizados em seu laboratório de perícia forense. Nas hipóteses onde a verdade implique em autoacusação criminal ou violação de sigilo profissional, existe para os litigantes, o direito ao silêncio, mas não o da mentira.
O termo: “princípio da verdade formal” fundamenta-se exclusivamente, na verdade formal probatória constante dos autos, ou seja, quod non est in actis non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo). Este princípio tem a finalidade de estabelecer os limites da prova utilizável para o convencimento do julgador, no momento de prolatar sua decisão, ou seja, somente vale a prova que instrui a demanda, portanto, a constante dos autos. E quando o perito se utiliza de elementos estranhos aos autos, cujo momento da juntada pelos litigantes estava precluso, o perito perde sua parcialidade.
À luz da teoria do risco, o perito assume o risco de produzir um efeito, como prova a favor ou contra um dos litigantes. Trata-se de uma responsabilidade objetiva.
Existem outras situações conexas, também preocupantes, quanto à imparcialidade do perito e à responsabilidade objetiva, essas situações podem surgir no curso da perícia, como, por exemplo, a arguição de suspeição do perito, nos termos do inc. IV, do art. 145, do CPC/2015. Há suspeição do Juiz, aplicável também ao perito auxiliar do Juiz, em uma interpretação contemporânea da lei, com a devida vênia, quiçá, possível, de que a solicitação de documentos por parte do perito, termo de diligência, a um dos litigantes, seja no sentido de que, o perito tenha interesse no julgamento do processo em favor de qualquer das partes, tendendo, pela via do seu cargo de auxiliar do juízo, produzir provas inexistente nos autos. Quando solicita documentos, baseado em uma interpretação do inciso § 3º do art. 473 do CPC/2015, isolada dos demais artigos ali existentes, até porque, o perito está demonstrando interesse em analisar elementos extra autos, violando o axioma[1] da lógica de que, aquilo que não está nos autos, não existe.
É evidente e lógico, que não estamos, em função da liberdade de cátedra doutrinária e de pensamento, buscando erro e responsabilidade de colegas peritos, a nossa preocupação, científica-doutrinária, consiste, basicamente, em gerar um repensar dos peritos considerando os limites de sua função, desmistificando assim, a alegação genérica e imprecisa, que que o perito, como auxiliar do Juiz, deve fazer tudo, e, a qualquer custo, para demonstrar a verdade real ao julgador, mesmo que esta não esteja nos autos, evitando que respostas de quesitos, fiquem prejudicadas por falta de documentos. Pois, isto é uma falácia, uma vez que parte de premissas equivocadas.
O perito do Juiz não se pode buscar a verdade a ferro e fogo, sobre as alegações de interesse da justiça, pois esta ideia de Nicolau Maquiavel, do livro: O Príncipe, de que: “os fins justificam os meios”, levam a uma tirania do perito sobre o abrigo de que tudo ele pode.
Os poderes contidos no §3° do art. 473 do CPC/2015 ao perito, de que pode solicitar, com base no seu arbítrio, todo tipo de documento, possuem condicionantes pétreos, que são restritivos à solicitação do perito.
Os condicionantes, condição sem a qual não é possível ao perito solicitar documentos via termo de diligência, são:
Assim sendo, o perito respeita o devido processo legal, e os princípios constitucionais da impessoalidade e da legalidade esculpidos no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. E os poderes contidos nos termos do §3° do art. 473, do CPC/2015, ao perito, de que pode solicitar documentos, e de ouvir testemunha, entre outros, são factíveis somente se ocorrerem uma das cinco hipóteses, condicionantes, anteriormente epigrafadas. E por derradeiro, o perito deve estar em compliance com o CPC/2015 e com a CF.
É deveras importante, como um pré-requisito, que uma avaliação científica, esteja desprovida de ideias e/ou preconceitos dogmáticos, que, quiçá, possam influenciar a sua conclusão. Até porque, segundo Albert Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”. Portanto, para os cientistas da contabilidade, uma reprogramação mental leva a uma nova percepção das coisas, e com estes novos conhecimentos, muitos operadores da perícia têm a oportunidade de rever seus conceitos, criando uma versão melhor do que a original.
Quando o perito tem a primeira oportunidade de falar nos autos do processo, o que ocorre quando intimado a apresentar a sua proposta de honorários, pode relatar ao Juiz, se for o caso, as inexistências de documentos suficientes para que as respostas do seu laudo, não fiquem prejudicadas; sem requerer a exibição de documentos, exceto se houver determinação expressa do Juiz para a realização de diligências. Esta forma de manifestação do perito, não o torna parcial, pois apenas está informando, levando ao conhecimento do julgador, uma situação fática probante. Fato que está em sintonia ao art. 37 da CF, em especial aos princípios da publicidade e da eficiência.
O perito que interpretar um único parágrafo, o § 3º do art. 473 do CPC/2015, de forma isolada, sem considerar o todo do CPC/2015, não está considerado a ratio legis do CPC/2015, logo, está diante de um ato falho, por partir de uma premissa interpretativa equivocada, do tipo erro de cognição automático e disfuncional, onde o intérprete vê apenas e isoladamente uma situação.
E por derradeiro, o perito, por ser imparcial, não junta, arbitrariamente, provas nos autos do processo, seja a favor ou contra os litigantes, pois a sua função pública é de examinar em seu laboratório de perícia forense, as provas produzidas pelos litigantes, e com base nelas, e em seu juízo de liberdade científica, e jamais juízo de valor, responder aos quesitos e/ou se manifestar sobre ponto técnico-científico controvertido fixado pelo Juiz da causa.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1988.
____. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
Comentado por Napoleão Bonaparte. O Príncipe. Maquiavel. Texto Integral. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret,2007. 190 p.
[1] AXIOMA DA LÓGICA – na lógica de Tales e de Aristóteles, um axioma é um fato tido como verdadeiro, considerado como óbvio por um consenso inicial e necessário à construção ou aceitação de uma máxima na construção de uma teoria. Por essa razão, tudo o que é tido como um axioma da lógica, é aceito como verdade e serve como parâmetro inicial para uma dedução. HOOG, Wilson Alberto Zappa. Moderno Dicionário Contábil – da Retaguarda à Vanguarda. 9. ed. Curitiba: Juruá, 2019.
Wilson Alberto Zappa Hoog, www.zappahoog.com.br; Bacharel em Ciências Contábeis, Mestre em Direito, Perito Contador; Auditor, Consultor Empresarial, Palestrante, especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias, escritor de várias obras de contabilidade e direito e pesquisador de matéria contábil, professor-doutrinador de perícia contábil, direito contábil e de empresas em cursos de pós-graduação de várias instituições de ensino.
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